sábado, 21 de janeiro de 2012

Situação Cracolândia 2012


Alguns que acompanham o zine desde o começo sabem que me importo em relatar algumas coisas que me convém. Há tempos não escrevia um texto do tipo, mas como morador do bairro Campos Eliseos eu não posso simplesmente fingir que não percebo e vejo o que acontece ao meu redor. Sou morador da região que é conhecida como Cracolândia desde março do ano de 2010. Desde o começo me alertaram sobre o que viria a acontecer no decorrer da minha estadia aqui e até agora foi tudo conforme o que haviam me dito. Mas bem, como vocês não sabem disso eu explico.

Há anos a região é movimentada por viciados que andam sempre em bandos que fazem o uso do Crack em plena luz do dia. Desde que eu me lembre a Polícia Militar nunca se importou muito em reprimir esse povo e o governo pouco se importou em por em prática projetos de reabilitação para os usuários. A região foi desvalorizada desde então, pois ninguém que possa escolher morar numa região sem o uso intenso de drogas e a total “poluição visual” escolheria o Campos Eliseos.



Há algum tempo surgiu a o projeto da tal revitalização do centro de São Paulo. O projeto aqui na região teve o nome de Projeto Nova Luz. Recebi a visita de uma assistente social que me fez perguntas sobre o que eu acho que deveria ser mudado na região e quais eram os defeitos . Eles tem em vista construir praças, CEU’s, uma Cohab e algumas coisas mais aqui na região. Alguns prédios e estabelecimentos seriam desapropriados para que o projeto pudesse se concluir.


Há alguns meses também chegou o tal do OXI, que uma mistura de pasta-base de cocaína, querosene e cal virgem mais devastadora do que o temível crack. Ela tem um custo muito mais barato do que o próprio crack e é dito também que o consumo diário pode matar uma pessoa em poucos meses. O mais engraçado de tudo é que essa droga apareceu numa data não tão distante o Projeto Nova Luz? Uma droga super destrutiva aparecendo na região que viria a ser totalmente “revitalizada” soa um pouco coincidente pra mim. Mas esse é só um detalhe.


Desde o começo de janeiro de 2012 a polícia vem agindo de forma totalmente facista na região. A repressão contra os usuários de crack e moradores de rua tem sido intensa. Mulheres e crianças sendo tratadas de forma mais que humilhante. Coisa que nunca havia acontecido antes. Uma grande parte dos usuários estão migrando pra outras regiões da cidade como algumas partes da zona leste não tão distantes do centro, Bom retiro, Pari e por ai vai.

Analisando tudo o que eu escrevi acima eu posso entender algumas coisas:

Antes, quando a cracolândia não era reprimida pela polícia, a região era totalmente desvalorizada. Com a região desvalorizada barateia o custo do governo pra que alguns edifícios e estabelecimentos sejam desapropriados para a conclusão do Projeto Nova Luz. O Oxi e a repressão da polícia estão servindo pra fazer com que os usuários deixem a região de uma forma mais rápida e fácil, pois a reabilitação deve sair caro e também ser muito desinteressante pro governo. Afinal, os viciados são vistos como animais por aqui e não como seres humanos, então logo podem ser tão descartáveis como um lixo qualquer pra eles. Sendo assim quando a Copa do Mundo chegar a região central da cidade vai estar totalmente “limpa”. Afinal de contas o Brasil não pode fazer feio, né? Muita gente vem de fora e o que eles pensariam de nós?

O mais triste de tudo é ver como não só os moradores, mas também a sociedade num geral enxerga a situação como algo favorável pra quem aqui habita. Conversando com o meu patrão sobre essa situação ele me comenta: “Isso tá sendo bom pra quem mora lá. Porque se você for reparar eles são como animais e só tiram o sossego de quem quer viver em paz.” Bem, comentários sobre essa fala se fazem desnecessários. Isso só ressaltou o que uma grande parte da população paulistana deve pensar sobre esse caso que está sendo resolvido.

Lembrando que todas as coisas que citei aqui são conclusões que eu tirei com base no que me foi dito por mais de uma pessoa. Isso não é nada que seja 100% verídico, mas que eu achei no mínimo de muita coincidência. Finalizo a o post com algo que aconteceu essa semana que me surpreendeu: a atualização do facebook do ator Fábio Assunção. Ele postou um texto que resume perfeitamente a situação da Cracolândia:

“O que leio diariamente sobre a ação da polícia, visita das autoridades e discussões dos representantes da sociedade sobre a cracolândia, deixa evidente a dificuldade do homem em assumir e ser honesto frente a questão da dependência química no mundo ou aqui no Brasil, problemática grave e perigosa, vivida por 14% da população mundial, ou, 700 milhões de pessoas. Delegada pelo estado aos homens discriminados pela sua pobreza e raça, os administradores da produção e distribuição de entorpecentes. Quem realmente anda batendo cabeça não me parece serem apenas os dependentes de álcool e drogas, os drogados como os seres fúteis e ignorantes costumam chamar, e sim a sociedade, que se torna indecente com tanta hipocrisia e demagogia. Enquanto não nos libertarmos do nosso sentimento equivocado de superioridade aos que vivem num labirinto de desespero e solidão e enquanto não formos honestos com nossas vidas, essa tristeza vai continuar. Mas tudo bem, para quem prefere se declarar estrangeiro à essa questão. Um dia seus filhos o farão pensar sobre isso de forma humanitária. Nada como um dia após o outro. Crime é fechar os olhos àquilo que precisa de inteligência e verdade, além, claro, de amor. Nossas autoridades passeiam pela cracolândia como se estivessem no Simba Safari, olhando os animais do carro, rezando para não serem atacados. O frágil não são os senhores, são as almas em busca do nada, sem a capacidade de desenhar um caminho verdadeiro. Aliás, minto, os frágeis são sim, os senhores, por que é preciso ser forte para vencer uma tempestade e os senhores não vivem sem seus guarda chuvas de papel.”

Alguns links que retrataram um pouco da situação por aqui:

http://tnonline.com.br/nticias/brasil/33,120608,20,01,sao-paulo-derruba-casas-para-impedir-volta-da-cracolandia.shtml

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/01/intervencao-policial-na-cracolandia-era-necessaria-diz-arcebispo-de-sp.html

http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5570028-EI5030,00-Acao+na+cracolandia+desarticulou+trabalho+de+saude+diz+ONG.html

Um comentário:

  1. DEGRADAÇÃO URBANÍSTICA PLANEJADA: É muito suspeito o tal do adiantamento da operação policial contra os dependentes do crack, já que a data é a mesma em que a prefeitura espera licitar a concessão urbanística da Nova Luz para os agentes imobiliários lucrar com terrenos por valores irrisórios. Se haverá qualquer atendimento em março aos dependentes na amplitude necessária, veremos na data. De fato, tal ação médica, assistencial e policial deveria ter sido feita desde que começou o problema de drogas no centro há uns 20 anos - e de forma continuada. Da mesma forma que existe a obsolescência planejada da vida útil de algumas linhas de produtos, nasce em São Paulo a nefasta Degradação Urbanística Planejada praticada pelos políticos em prol da especulação imobiliária e em detrimento aos direitos à propriedade e ao trabalho. A dispersão dos dependentes de crack para a porta das casas e dos negócios nos bairros próximos significa a próxima etapa da degradação urbanística planejada que se desenvolve em São Paulo, através da omissão das administrações? Logo teremos novas concessões urbanísticas justificadas em sanar novas cracolândias – a exemplo do projeto Nova Luz? Logo teremos novas concessões urbanísticas para desapropriar outros bairros para os agentes imobiliários continuar a maximizar seus lucros? O paulistano de outros bairros que equivocadamente festeja o projeto Nova Luz também terá, logo, logo, sua casa e seu trabalho desapropriados; e, aí, entenderá, talvez tarde demais, a necessidade de barrar as ações de Kassab e de Police Neto já. Paulistano, temos que clamar em uníssono os malfeitos deste executivo e deste Legislativo paulistanos que só agem em favor do mercado imobiliário, em detrimento dos direitos de toda a população da cidade.
    Suely Mandelbaum, urbanista

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